quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Na baía (2)

Aqui as mulheres cantam o orgulho de serem moçambicanas ou africanas
No espectáculo da noite espessa em que o sono foge,
Corre para a baía vislumbrar a magia da rede que pesca o sorriso do pescador...
Ou para a festa do sol abrasador que tenta impedir a percussão do xigubo da coluna
No palco da machamba que nem mandioca para tapiocar traz...
Ou para acudir o giz que seca nas mãos do professor antes de, pedagogicamente brilhar nas mentes dos alunos...

Minha casa não é aqui, é no sussurro das ondas da baía,
Sentado no banco da areia despida pelo vaivém das águas,
Possuído pela melodia do Índico onde pelas noites me lanço entre os suspiros dos sonhos das mulheres bitongas, matswas, machopes e doutras mulheres de moçambique ou de Africa…
Que deambulam à risca de violar as algemas da pobreza que cada dia arrasta mais reclusos...
À prisão machista guarnecida pela musculatura da masculinidade social,
Que nada conseguem se não despir a naturalidade da sua beleza esculpida pelo ventre do Índico...

Na baía os sonhos não morrem no sono como o peixe morre na rede,
Os sonhos atravessam a alvorada de canoa até ao raiar do sol,
Mesmo que signifique gelar sangue pelas aguas,
Rebentar as mãos nas rochas ou na terra seca,
Emprestar a consciência na doutrina de dizimos,
Ou pendurar a verdade em nome da verdade politica...
À esta margem da vida em que as acções do sonho se cruzam no cumplice ganancioso desta devastadora civilizacão...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Na baía (1)

Aqui os olhos fundem-se no vaivém dos barcos pintados de negro natural das tintombi da baía,
As vozes perdem-se na melodia afinada da mulher bitonga, matswa, machope...flutuando pelas serenas ondas da baía.
Eu nao sou da baía, vivo na baía povoada...
Onde as mulheres pela madrugada puxam rede de pesca,
Selam os lábios e deixam sua beleza pintar a esteira do chão onde todos querem estar...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Meu Chão, Meu Mundo, Minha Vida...

É neste tapete onde me encontro tapetado
É nesta alcatifa onde sento alcatifado
É nesta esteira onde me estiro esteirado
Coberto de nudez empoeirado…
Untado no espesso luto de ser africano…
No atilier artístico das artes de politizar e de milagrar...

Chega o Verão, o carvão do chão aquece
Chega o Inverno, o Índico do chão resfria
Chegam vozes, o chão acolhe-as
Partem vozes, o chão acompanha-as
Ao chão sempre presente na chegada e na partida...

Não há Inverno nem Verão
O chão ouve os profetas refilando…
O chão ouve os ossículos vacilando…
O chão ouve as doutrinas e os versículos envangelizando…
O chão ouve as ideologias... reinando…
O chão ouve os búzios buzinando…
Em palcos tortos em que as timbilas do chão e do céu
Não páram de governar-me de seus sons…
Poluindo os tímpanos da ciência ignorada...

Não há noite nem dia
Não há idade nem cor
O chão banha das minhas lágrimas
O chão bebe o meu sangue
O chão ouve os meus gritos
O chão cobre o meu luto
O chão embala-se no sono dos homens obrigados a atravessar o chão
Neste vaivém de abrir e fechar as portas deste chão...

Não conheço chão alegre...
Neste chão onde me encontro aprisionado
Na prisão vigiada pela lei biológica enrabada pelas vozes...
E na liberdade onde apenas a lei da morte reina
Na luz de plenos poderes do chão e do céu...

Neste chão
Eu nasço…
Eu cresço...
Eu vivo…
Eu morro…
E na magia de rebentar as correntes da morte...
Volto a viver a vida...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Minha Vergonha

As vezes sinto vergonha de dizer que sou africano,
Que sou moçambicano...
Que sou humano de qualquer floresta...
Quando vejo que, os que me governam...
Estão mais atarefados em fabricar discursos e leis para nós o povo,
Entretendos-nos, enquanto isso, eles enchem seus bolsos e panças
Por aquilo que faria-nos sorrir...
E os que deviam pegar na espingarda da justiça lutar
Estão possuídos por veneno de mordomias...
Gratificados pela ginástica do punho que apunhala a nossa dignidade...