segunda-feira, 29 de março de 2010

Cabaça

Trilho em caminhos sombrios
Carregado do meu casaco no ombro
Com a cabaça de mata sede na mão
Na longa caminhada finita da vida
Onde finto o meu próprio caminho

Lá vou eu
No perambulo da minha babalaza
Banhado de suor do meu Índico
No cântico da minha canção
Que me vem da profundeza do rio da vida

Trespasso longamente a floresta esverdeada
Em desequilíbrio acentuado de meus passos
Com a cabaça da vida na mão
Assobiando sereno nas folhas verdes da floresta
Que despertam mortas das flechas arrogantes do Homem
Cintilando-me nos olhos recauchutados de babalaza
O último adeus de sua densa naturalidade

Escalo o calor do Índico
Embutido na minha cubata pintada de negro
Ouvindo suspiros da melodia da vida
No espectáculo das vozes guilhotinadas…
Dedilho minuciosamente a guitarra
No sorvo doce do líquido da minha cabaça
Que a cada gole estrangulado
Estrangula ou cria a minha babalaza companheira

quinta-feira, 18 de março de 2010

Recluso vigiado

Degusto o prazer árduo da cela prisional
Preso na emboscada da luta de liberdade da fala
Travada no campo da batalha da luta das verdades
Entre a liberdade de falar as verdadeiras verdades
E a liberdade bélica de escamotear as verdades perversas

Arrisco secretamente polir e lubrificar a minha arma
Na sela vigiada vinte quatro horas
Por homens armados dos pés até aos dentes
Que até seguem a minha sombra
Mesmo nas esquinas escuras da cela
Para imobilizar o disparo da minha arma

A minha arma não é bélica
Mas ela é poderosa
Ela não dispara para matar
Apenas para dissipar dúvidas
Esclarecer verdades
Ou mesmo para dizer as verdades
Escondidas no poder bélico

A minha marcha é longa
Nem com isso vou desistir
O meu inimigo é bravo
Mas o enfrentarei
Sempre com a minha arma, a palavra
No disparo sem sangue

Tenho consciência de tudo que é
Tenho a certeza de tudo que faço
Tenho a convicção de tudo que quero
Nesta penitenciária
Em que o bom recluso
É aquele que parafraseia ordens
Enterra a sua sabedoria
E veste máscaras de ideologias…
Em busca de pão
Para a sobrevivência da sua pança

A minha marcha é longa
Nem com isso vou desistir
O meu inimigo é bravo
Mas o enfrentarei
Sempre com a minha arma, a palavra
No disparo sem sangue
Em busca da minha total liberdade
Liberdade de expressão
Liberdade política
E dignidade de ser
Um verdadeiro cidadão democrático

segunda-feira, 8 de março de 2010

Meu ventre

Deixem estas palavras viajarem
No saltitar da voz eufórica
Aquela voz que canta orgulho
De ter sido nascida de um ventre humano

Hoje e como outros dias…
Grita humanamente reconhecendo
O ventre que lhe fez conhecer este universo
Este universo que ainda te escraviza, mulher
Baseado nos fundamentos do código social
Na doutrina religiosa
E nos cárceres de ideologias políticas

Eu
Dispo o casaco da minha masculinidade…
Sopro-o para agasalhar a terra fria de Inverno
E visto o casaco humano
Que agasalha a tua e a minha pele
Nesta longa marcha, mulher
De reconhecimento das nossas igualdades sociais
E das diferenças biológica

quinta-feira, 4 de março de 2010

Vozes doutros filhos desta nação


Somos filhos desta nação
É esse o nosso fardo de orgulho
O nosso timbre que nos faz diferente
Talvez doutras crianças nesta mesma nação

Somos filhos desta nação
Faça sol
Faça frio
Trepamos a distância da areia
Com pés vestidos de nudez
Rumo ao encontro do alimento da mente

Somos filhos desta nação
Inocentes das perversidades desta nação
Erguemos a humildade da nossa existência
Tocamos xitende
Tocamos xindiro
Assobiamos a fantasia da marrabenta
Mesmo com lábios pintados de palidez
Mesmo com a pele sem agasalho
Mesmo com tripas vazias
Rumamos ao encontro do alimento da mente

Somos filhos desta nação
Faça sol
Faça frio
A distância agasalha-nos os pés
Os calcanhares endurecidos pela teimosia de lá chegar
Ao encontro do quadro do abecedário
Erguido debaixo da árvore
Que jaze nu como os nossos rostos pálidos
Rodeado e esplêndido de nossos olhares
Carregados de desejo de aprender

Lá chegamos
Aprendemos o poder das palavras
Aprendemos a magia dos números
E assim alimentamos a nossa mente
Debaixo da árvore
Com nádegas fixas na areia ou num tronco qualquer
Que é esse o nosso orgulho
O timbre que nos faz diferente
Talvez doutras crianças nesta mesma nação

terça-feira, 2 de março de 2010

O atirador que não falha (HIV E SIDA)

Bicho venenoso
Açambarcador de vidas humanas
Comercializadas no mercado de inferno
Ao preço de luto e sofrimento á humanidade que resta
Nas sombras de agasalhos de estigma e descriminação

Guerreias os homens na guerra do seu combate
Ergues-te de poderes poderosos
E vacilas o Homem de virtudes imprudentes
Na terapia dos prazeres sexuais irresistíveis
No ritual transfusão de sangue (mercado tradicional e moderno)
Que ousa perambular de olhos vendados

Rios de dinheiro são espalhados pelo mundo
Milhares de vozes armadas disparam todos os dias
Nas mentes de todos nós
Mas o alvo continua ainda fugitivo
Que nas tácticas de guerrilha
Acerta-nos a cada esquina onde tentamos disparar
Pois nós disparamos de olhos vendados

Nem com isso vamos cessar as armas
Apenas precisamos redesenhar a estratégia de combate
Militarizarmos efectivamente todo homem alvo
Nos campos da tradição, da religiosidade e porque não da política?
Porque nós encontramo-nos em terreno vantajoso:
Temos militares cientistas da medicina humana
Temos militares cientista da psicologia humana
Temos militares cientistas da sociologia humana
Temos militares cientistas da antropologia humana
Temos militares cientistas planificadores, gestores, implementadores…
E ainda temos militares monetários…

E o nosso inimigo, que tem capaz de derrotar-nos?
Nada tem senão a parte da nossa distracção…
A parte da nossa ignorância…
A parte da nossa cobardia embrulhada na superstição…
A parte da nossa cobardia embrulhado em algumas crenças religiosas
A parte da nossa astúcia incubada na avidez
Do material doado para a nossa luta…
Que apenas é justificado por números
E não pelas técnicas qualitativas de disparo

segunda-feira, 1 de março de 2010

Sangue em Açambarcamento (5) - fim

Em todos os bazares
Da governação
Do amor
Da religiosidade
Da macumba
Da labuta
Lançam-se iscas de promessas
Na disputa do mesmo produto
Que engorda os detentores dos poderes desses bazares

E nós o povo
Grulhamos a esperança das promessas
No açambarcamento do nosso sangue
Disputado em todos bazares
Aqueles bazares que governam a espécie humana
Essa nossa espécie humana
Desumanizada pela escravidão da irmandade

Sim, é mesmo escravidão
Uma escravidão sofisticada
Em que o escravo convive com o explorador
No cativeiro da distância entre o pobre e o rico
Que a exploração, humilhação, adestramentos…
São as sentenças da nossa condenação
Sentenciadas pelos juízes pobreza, corrupção e guerras…
E assim
Nós vivemos as promessas
Promessas de boa governação
Promessas de milagre e salvação
Promessas de bom convívio com os nossos mortos
Promessas de amor eterno
Numa eternidade desenterrada pelas promessas